quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Septuagenário (Sobrevida)


Dentro de pouco, vou completar 70 anos

Dizer que não afeta nada, que é irrelevante ou que a idade é uma questão apenas de cabeça, é pura conversa mole.

É uma fase da vida que assinala um marco e que vem acompanhada de uma grande mudança.

Uma espécie de adolescência ao contrário, como já bem disse Mário Prata. As pessoas a recebem de formas variadas. Uns entram em depressão, outros ficam em permanente irritação ou revolta, outros ainda, apenas e simplesmente, se apagam em uma apatia generalizada.

O fato é que a expectativa de sobrevida fica reduzida e a gente vê a nossa volta, cada vez mais, partirem parentes, amigos, pessoas afamadas ou ídolos de nossa juventude.

O sentimento da partida fica cada vez mais próximo, com a sensação de iminência nos acompanhando no dia-a-dia.

Mesmo que não haja medo ou pânico. Mesmo que a gente reflita que se possa ainda viver 10, 15 ou 20 anos.

Afinal, 15 anos ainda seriam mais de um quinto de nossa vida. E não é pouco! São quase 5500 dias!! Dá para fazer muita coisa em 5500 dias.

Li, há pouco tempo um livro sobre a característica dos septênios em nossa vida. É muito interessante a observação das mudanças que acontecem aos 7 anos, aos 14, aos 21 e assim por diante. Mas a autora indica que a "vida" de uma certa maneira se encerra após o nono septênio (63 anos), sendo o resto dado como uma sobrevida de lambugem. Chegando a afirmar que a Lei do Karma cessaria de funcionar.

Sinceramente, não entendi o enfoque da autora. Minha experiência pessoal é que a fase dos 63 aos 70 anos, foi uma fase real - e significativa - de minha vida.

Perdi ilusões sobre a importância do trabalho e da carreira. Assim como sobre a posse de alguns bens materiais, como um carro novo a cada ano. Percebi claramente alguma perda na eficiência de algumas funções vitais, como a memória ou o vigor muscular ... em compensação, ganhei "companheiros" como tendinites, artroses e outros achaques.

Mas continuo vivo.

Guardo um raciocínio ainda bem claro, uma auto-discernimento intenso e um sentimento real sobre o valor da beleza e da realização humana. Sou capaz de curtir minha vida de pensamento e de sentir e me apaixonar, até com mais ênfase, do que sentia nos anos em que estava sob o ônus das tarefas rotineiras do ganha-pão. Gosto de ler, esculpir, jogar tênis (e de uma cerveja depois do tênis). Curto viajar, comida refinada e boa música, e gosto de fazer isto na companhia de amigos.

Continuo não apreciando algumas coisas como barulho excessivo, rock, corrida de carros e futebol. Com a diferença que hoje aceito o meu jeito de ser e estas minhas idiossincracias, e as admito como um traço natural de minha identidade.

Continuo revoltado contra a violência crescente, contra a banalidade que permeia nossa vida moderna e contra a ganância política.

Continuo vivo!! Não sei o que a próxima década reserva para mim, mas estou entrando nela, vivo e com vontade de viver. Não apenas como uma "sobrevida", mas como uma fase em que devo realizar. E me realizar.