terça-feira, 19 de junho de 2007

Vitrais e almocelas ...


Gosto de vitrais. E da luz que filtra atraves deles. E reconheço o sublime envolvimento emotivo-religioso que causa ... (alias, quem não conhece os vitrais de Marc Chagall para igrejas cristãs? ele que era judeu, diga-se de passagem!!! .... maravilhosos). Dá vontade de falar com Deus.

Mas falar com Deus, qualquer um de nós pode falar em qualquer lugar. Nos primórdios da civilização, os homens acreditavam que Deus morava no Céu ou nos megalitos ou mais tarde, nos santuários. Até hoje, tem muita gente que crê firmemente que Deus reside nas igrejas e nos templos. Como se meia dúzia de tijolos pudessem aprisionar a Divindade.

Mas Deus está em todo lugar, até dentro do recesso de nosso ser, andando na rua. Ele pode ser encontrado à beira do mar ou de um lago ou de um rio ou em cima de uma montanha. Ou no bosque de um parque. Ou no silêncio de seu lar.

Ou quando se faz algo com muito amor como arte ou cozinhar. Até sexo, dizem os orientais que praticam a Tantra Yoga.

Nas casas de antanho, havia um oratório ou um ícone de um santo de devoção. As pessoas de persignavam ou pelo menos, faziam um imperceptível aceno de reconhecimento como quem dissesse : "eu sei que Tu estás conosco"

Toda casa de muçulmano tem a almocela, o tapete de oração. Acho admirável. Assim como acho admirável que nas casas dos extremo-orientais, há um lugar reservado para meditação, até com pequeno altar.

Faz falta a presença do Sagrado em nossa vidas.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

J´ai plus de souvenirs ...

Beaudelaire é que dizia :"J´ai plus de souvenirs que si j´avais mil ans."!

Em toda honestidade, sinto um pouco de inveja das pessoas que têm uma facilidade de rememorar tantas coisas de seu passado, e são capazes de tirar de seu baú de lembranças, detalhes que me deixam atônito. Eu, as vezes, sinto como se tenha tido uma vida quase vazia. As memórias, elas não me voltam ... é como se minha vida fosse feita muito mais de esquecimentos do que de recordações!

Sim, sim, é claro, eu sei as datas e os grandes fatos de minha vida. Mas me faltam as imagens e os sentimentos atrelados a estes fatos. Tenho fotos, sim, mas é quase como assistir a um filme, sobrando aquela sensação de "exterior" por assim dizer, não algo que brota de meu íntimo.

Me incomoda um pouco, para dizer a verdade, mas não demais. Amo a vida ... e se minha vida não tem uma grande soma de passado, que fazer? Continuar feliz sem passado. Não é mesmo?

Tenho impressões difusas, mas nem por isto, menos vivazes. Por exemplo, tinha um amor todo especial pelo meu Colégio, no Egito (Collège Saint Marc). E dele, guardo a lembrança do grande respeito que eu tinha por um professor, Frère Lucien, do qual não consigo reviver nenhum traço, mas do qual recordo ser homem inteligente, íntegro e exigente que nos ensinou uma filosofia de vida impecável que me marcou até hoje e que, em tudo, nos estimulava a nos realizarmos enquanto seres humanos.

Tentei começar a escrever minha autobiografia (como um exercício psicológico) .... apenas para descobrir que era impossível alinhavar as minhas memórias. Neste sentido, eu sei pouca coisa a meu próprio respeito. Podem ser os primórdios do Alzheimer {risos!}, mas lembro de tão poucas coisas específicas a respeito de minha vida.

Da minha infância no Egito. Tem alguns registros escolares, algumas fotos, os relatos da minha mãe (hoje falecida). Mas isto não vale, isto não é memória original própria. Sobram realmente pouquíssimas imagens, algumas sem muito importância, alguns trechos de paredes de uma casa, uma praia, um pesadelo de doença infantil, a vista da janela de uma sala de aula que dava para o mar, a lembrança de alguns amigos mas hoje sem rosto e até sem nome, coisas assim.

Viagens fiz, de que não lembro nada e olhando a foto, só posso ficar perplexo de eu estar posando na frente de um monumento ou coisa assim.

Sim, lembro de coisas, como carros, de algumas viagens, de alguns poucos episódios, de alguns amigos específicos .... mas muito, muito mesmo, simplesmente desapareceu ... é como se nunca tivesse acontecido. Mas certas coisas, banais mas poderosas, voltam .... como por exemplo, o cheirinho gostoso da madeira entalhando no pirogravo.

Hoje, a rigor, minha biografia, consistiria das coisas que penso ou sinto, muito mais do que os eventos que aconteceram comigo. Não que considero minha vida extremamente banal, tenho afortunadamente uma boa vida, mas minha vida "interna" parece tomar uma grande precedência sobre o dia-a-dia, as viagens, as festas, os eventos ...

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Projeto de vida ...


Sempre vale a pena fazer a seguinte contabilidade.

Estou hoje com 66 anos. Posso fazer uma estimativa de minha sobrevida, por exemplo, em um número razoável 80 anos. Não posso garantir, é claro. Mas não é improvável, não tenho nenhuma doença degenerativa, vivo bem, faço exercícios, tem histórico positivo na família, etc ... Mais ou menos uns 15 anos.

Posso não fazer tudo que um moço faz .... mas dá para fazer um bocado de coisas. Vamos verificar?

Se eu tiver um projeto qualquer, posso pensar assim : vou dedicar algumas horas, todo dia útil, durante umas 48 semanas por ano (descontando viagens, "férias", etc ...). Digamos 3 horas por dia. São 15 horas por semana, 720 por ano.... .Mais de 10.800 horas em quinze anos. É horas pacas, para usar uma expressão popular bem enfática! Dá para fazer um monte de coisas, aprender um instrumento, escrever vários livros, estudar um ou vários idiomas, pintar um acervo inteiro de obras, etc .... Mesmo que sejam 2 horas por dia, estamos ainda falando de 7.200 horas.

A única coisa que não podemos fazer é se entregar ao ócio e à preguiça. Ou exclusivamente a atividades de matar o tempo (ver televisão, jogar baralho, fazer palavras cruzadas, etc ...). Alias, sobre isto lí uma frase interessante do Machado de Assis : "Matamos o tempo .... e o tempo nos enterra." .


Está certo, mesmo que não matemos o tempo, o tempo nos enterrará do mesmo jeito {risos} .... mas pelo menos, teremos tido uma vida frutífera.

O oasis no horizonte

Quando se é jovem, a vida se nos apresenta como um vasto e infinito horizonte, não se enxerga nem se imagina o fim. Já quando velho, apercebe-se que o passado transcorreu assustadoramente - e as vezes, estupidamente - depressa. Eu achava que os velhos mentiam quando sorriam...

Bom, os velhos podem sorrir porque são forçados a admitir que o fim vem : afinal, vêem, a cada dia com maior frequencia, amigos, parentes, artistas famosos, etc ... morrendo. Mas daí dizer que perderam a ilusão - ou melhor o sonho - que a sua própria vida não tem um infinito horizonte ... isto, é outra história.

Perder este sonho pode ser perigoso, pode tirar a vontade e a alegria de viver, degenerar numa perniciosa depressão e transformar o final de nossa vida em uma melancolica sala-de-espera. E pior, pode levar a desistir de seus objetivos sob a alegação de que já tem mais tempo para realizá-los.

A miragem de um oásis já ajudou muito viajante no deserto a continuar andando ... e se salvar no processo!

terça-feira, 12 de junho de 2007

Complemento a "Pedi a Deus"

É muito conhecido o lindo poema anonimo "Pedi a Deus"

Pedi forças e vigor e Deus me mandou dificuldades para me fazer forte
Pedi sabedoria e Deus me mandou problemas para resolver
Pedi prosperidade e Deus me deu energia e cérebro para trabalhar
Pedi coragem e Deus me mandou situações perigosas para superar
Pedi amor e Deus me mandou pessoas com problemas para eu ajudar
Pedi favores e Deus me mandouoportunidades
Não recebi nada do que queria
Recebi tudo o que precisava
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E eu gostaria de acrescentar ....

Pedi Paz e Deus me mandou guerras
para que eu pudesse aprender a superar a dor e o sofrimento
e vencer a violência que reside em mim,
nas regiões mais sombrias do meu Ego.

sábado, 9 de junho de 2007

Dos homens e dos animais ....

Assistia na TV a um programa denominado Wild Word - traduzido incorretamente como Mundo Selvagem (quando deveria ser Mundo Natural)

Fiquei matutando porque chamamos os animais de selvagens.

Nós os caçamos em safari e os matamos em arenas para nosso entretenimento; nós os enjaulamos em zoológicos e em nossas casas; nós os empalhamos para nossa decoração; nós os criamos para o abate, para usar seu couro ou seus chifres; nós os dissecamos e os sacrificamos em nossos laboratórios ou os enviamos ao espaço para morrer; e temos, ao longo dos séculos, conseguido extinguir, sem qualquer constrangimento, espécies e raças inteiras.

E são eles, os animais, que são selvagens?

terça-feira, 5 de junho de 2007

As muitas variações e manifestações de violência

Vendetta, assaltos à mão armada, crime organizado, racismo, perseguições étnicas, genocídios, repressão policial, inquisição, guerras políticas ou religiosas, guerras santas, música heavy metal, sado-masoquismo, caça, safari, torturas policiais e políticas, sacrifícios religiosos, suicídios coletivos, terrorismo, turbas de futebol, violência doméstica, rapto, estupro, etc. ...

Sem nenhuma ordem ou classe, há de todos os tipos e todos os graus ....

Se alguém lembrar de mais algumas, eu acrescento ...

Notícia de primeira página

Um diário importante, há uns 3 ou 4 anos, publicou uma notícia de primeira página ...

Bem no meio de notícias importantes, dos infortúnios financeiros e econômicos, das incertezas da política, os grandes desastres mundiais, da taxa do dólar, dos resultados do futebol (nossa religião nacional ...) e da previsão do tempo, bem no meio de tudo isto, uma notícia de igual ou maior importância, só pode ser se é de primeira página, não é?

País já tem lutas de boxe infantil

Não, não, eu li certo, é isto mesmo ...

Bom, de início, aquela revolta ... com tanta coisa que podemos dar aos nossos filhos, uma boa cultura, um preparo esmerado, uma consciência de civilidade e espírito comunitário, etc...

Ah! Mas devo estar errado! Esta é uma notícia alvissareira! Finalmente, alguém de bom senso vai ensinar aos nossos filhos como surrar eficientemente seus irmãos, como saber levar e dar porrada, mesmo que deteriore seus cérebros e crie calos em suas almas, que lhes tire toda a sensibilidade sobre as coisas da arte e da beleza ...

Sabe, estaremos lhes ensinando com eficiência os caminhos da violência e da brutalidade e pelo menos, poderemos ter a certeza que saberão se defender de um assalto na esquina ... ou quem sabe, conduzir um com bastante eficácia!

Justiça social ...

Um menino nasce em uma favela, pai desconhecido, mãe solteira, que trabalha como servente, e não tem nem condição nem tempo de cuidar; como ela, ele nunca viu escola, nem comida direito .... vive nos becos no meio de água imunda, insetos, doenças, drogas, violência, sexo primário, etc .. Cresce para ser bandido e acaba morrendo jovem, de doença ou de bala.

Responde para mim : ele teve chance? Você e eu tivemos chance. Mas, insisto, o que ele teve? Porque foi condenado de antemão? Porque ele e não eu? Eu faria "melhor" no lugar dele?

Em compensação, nasce outro em berço esplendido, cercado de todos os cuidados, a melhor educação, o máximo de amor, etc ... Não que alguns destes não virem bandidos, mas cercados de bons advogados e bons médicos, vão viver uma vida longa e próspera.

Nascem alguns gênios extraordinários na física ou na arte, e outros absolutamente mentecaptos, incapazes do menor raciocínio! O que uns e outros fizeram para merecer (nascer do jeito que nasceram)??
Não, não faz muito sentido!


Não nos é dado entender Deus, nem os seus desígnios. {Teríamos que ser Deus para podermos entender .... e é claro, nós não somos Deus! Embora alguns presidentes acreditam que são! {risos}}

Também a Justiça é um conceito humano, embora escassa. Não podemos assegurar que a Divindade tenha características humanas e que, seja o que for "Justiça" ao nível Divino, tenha qualquer semelhança com o que nós chamamos de Justiça.

Dia do Meio Ambiente


Preâmbulo :
Tenho casa no litoral e tem matos à volta, a praia, o rio, etc ... mas não me sinto envolvido com a "natureza" : observo, olho, gosto da beleza natural da paisagem, os morros, o mar, meu senso estético funciona, não resta dúvida.

Até tenho bebedouros no jardim e fico admirado com os pássaros, inclusive um casal de pássaros vermelhos, mas vermelhos mesmo, brilhosos, lindos (me disseram que se chamam de tiês). Sua companhia me ajuda a pintar e esculpir.

Mas não consigo me "conectar" com a natureza. Sou filho de asfalto. Não gosto de caminhos de terra, de lama, menos ainda. Andar no mato me mete um pouco de medo de dia, de noite nem pensar!! Não caço, não pesco. Não planto nem colho.

Sou filho da Metrópole. Gosto de conforto, ar condicionado, carpete. Minha aventura é um livro ... ou um filme. Meu exercício é tênis ou tai-chi-chuan. Sim, ando na praia, também como exercício .... mas para me locomover, posso lhe assegurar que prefiro de longe um carro a andar a pé!

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Não entendo os pesadelos que os ecologistas sofrem com certas coisas. A qualidade do ar está piorando? Deve estar .... mas quer saber, acho que o ser humano que vive na metrópole, já se ajustou.

Se a ecologia é a ciência das relações dos seres vivos com seu ambiente, acho um erro crasso focar a ecologia humana apenas ou principalmente sobre a degradação do seu ambiente físico.

A ecologia "humana" deveria tentar sanar problemas dos meios social e cultural, que são o ambiente primordial do ser humano e cujos desacertos lhe fazem muito mais mal que os problemas do ar. Por exemplo, a crescente criminalidade, a exacerbada banalidade que grassa em nossos meios de comunicação, a pobreza crônica, o trânsito, a corrupção contínua e a irresponsabilidade na administração da coisa pública, a proliferação de igrejas que visam lucro, etc ...

Porque este é verdadeiramente o "ambiente" em que o homem vive, na metrópole .... e está bem mais deteriorado do que o ambiente físico, com o qual o homem, hoje, tem muito pouco contato.

Alias, imagino que se se resolvessem alguns problemas de educação, inclusive criar uma consciência social sobre o lucro irresponsável (que gera a ganância da exploração dos recursos naturais), imagino que a maioria dos problemas do ambiente físico já estariam resolvidos!!!

segunda-feira, 4 de junho de 2007

As religiôes e a violência

As artes marciais orientais, o Bushido e as artes do samurai, foram sempre tidas como um baluarte para o desenvolvimento espiritual de seus seguidores ... mas são artes da guerra, não devemos esquecer, artes da força e da violência, artes de matar e sim, dizem, de defesa ... mas, vejam bem, contra as ameaças de outros nos matarem!

Mas o Oriente é longiqüo e é fácil jogar a culpa para longe ... mas a verdade é que o ideal do guerreiro não está tão longe de nós. Nós o tivemos nos cruzados, nos templários, nos cavaleiros de Malta e toda a civilização ocidental gira em torno do ideal de um herói que é basicamente um personagem bélico, que vence os inimigos da pátria.

As religiões ocidentais, definitivamente, não se isentaram do processo e o caso de Joana d´Arc é um caso muito sintomático de uma santificação de uma pessoa que se dedicou à guerra! (em prol de um rei de qualidade pessoal, ética e ambições muito discutíveis, diga-se de passagem!). O ideal medieval do cavalheiro era a de um guerreiro e a busca do Santo Graal, vai de mistura íntima, com as guerras incessantes em que os Cavaleiros da Tavola Redonda (e os Cruzados, Templários, etc. ...) se envolviam.

Da mesma forma que é fácil criticar o Bushido, é fácil criticar a Jihad mas não podemos deixar de reconhecer o enfoque que nós, cristãos ocidentais, damos às nossas guerras : são todas guerras santas, mormente dentro do estilo característico dos WASPs tão cheios de seu "righteousness" e da certeza de excelência de seus sistemas político e religioso. A história das grandes nações modernas é lamentavelmente uma sucessão de guerras, geralmente em terras alheias, muitas delas de motivação obscura, mal esclarecida, o que leva intuitivamente a crer em motivações escusas de predominância política ou econômica, acima de qualquer consideração ideológica.

Alias, tão grande é o envolvimento destas grandes nações com a guerra, que vários escritores de cunho esotérico não hesitaram em aventar a hipótese de uma grande conspiração oculta com seres de outros mundos, (ou de outras esferas, se quiserem) para subjugar os grandes governos desta nossa terra, em particular os Estados Unidos.

Na minha visão, grande parte desta inclinação para a violência nos vem justamente dos condicionamentos recebidos de nossa educação, da nossa doutrinação sócio-política e até de nossa religião.

Em que pese que não sou a favor de erotismo gratuito na TV, não deixa de ser sintomático que se critique veementemente umas vedetes que tentam se promover à custa de sua nudez ou de seus remelexos pornográficos, e se deixa passar umas cenas deprimentes de homens se socando à vontade, de formal brutal e primitiva, tentando vencer um ao outro, à base de porrada, pontapé e qualquer forma disponível de infligir dor ... e, por cúmulo de ridículo, ainda nos damos ao luxo de chamar isto de esporte!

Origens da violência no ser humano

E donde vem este gosto, este desejo do público pela violência?

Uma condição que não podemos negligenciar é que a agressividade é uma necessidade no mundo "animal" para sobrevivência, é a lei da selva, a lei do mais "forte" que herdamos dos caçadores do Paleolítico.

Mas mais do que o pacto místico caçador-caça, nos humanos, é uma característica inerente da sua natureza vegetativa, (geralmente denominada de natureza animal) que contem fortes instintos de sobrevivência.

Precisamos da agressividade? Não resta dúvida. Sem ela, não haveria o que em inglês se chama de "assertiveness" (auto-afirmação), nem ambição ou inconformismo. Embora freqüentemente estas facetas sejam considerados como "defeitos", é preciso reconhecer que sem uma dose certa de agressividade, não há desejo de mudar ou de progredir.

Em que momento a agressividade se transforma em violência? É quando o outro se nega a nos dar o que queremos! Aí, é que surge a tentação de usar a força, a coação, a coerção, a chantagem .... pois violência não é só o uso da força física mas também o poder político ou o domínio psicológico da ameaça e do medo.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Filmes na TV


Fico me perguntando se é possível assistir um filme recente na TV que não seja violento, de uma forma ou outra. Quando não é filme, é luta de boxe, desenho infantil (se v. duvidar da violência subjacente, assista alguns .... e não só os japoneses!). Noticiário então!!!

E tudo, se resolve com a "força dos punhos" .... bem ao estilo americano, onde os personagens são reduzidos a meros robotóides movidos por uma moral duvidosa, quando não francamente ambígua, onde o mais forte é o melhor e sempre tem razão, a base de socos ou revolver ou "phaser".

Os "bons" são os que vencem no fim, os "bons" são os que sabem lutar melhor, os "bons" são os que matam eficientemente, etc ... E os americanos usam realmente esta filosofia em sua "política" internacional. Ou o outro se submete espontaneamente (leia-se : cedendo às ameaças) ou será submetido pela força das armas.

O drama individual é mera fachada, nestes filmes. É uma estratégia para vender uma filosofia aos cidadãos, oferecendo lhes esperanças de liberdade, dignidade, segurança, etc .... E tem funcionado.

Na origem , eram os filmes de farwest com seus inimigos característicos, bandidos ou índios. O gênero foi institucionalizado com os filmes, de conteúdo "patriótico" durante as numerosas guerras em que os americanos se engajaram, e que eram financiados pelo governo, mesma na época da guerra fria..


Hoje, criaram um público, um gosto popular pelo gênero que dá lucro, um sistema auto-subvencionado, comumente sobre os inimigos de ocasião (terroristas, crime organizado, etc ...). ou com inimigos difusos ou fantasiosos as vezes, como os ETs

Porque temos tanta violência hoje em dia?

Teorias não faltam, especialmente, tendências de cunho claramente sócio-econômico que levam a crer que a origem de nossos problemas está em fatores como a má distribuição de renda, a pobreza extrema a que a nossa sociedade condena irremediavelmente certos setores de nossa população, o aumento de desemprego e outros fatores desta espécie, tidos como formas de reação de ressentimento ou de desespero pela sobrevivência.

Não se deve desprezar estes fatores, são pungentemente reais e não resta a menor dúvida que, onde estiverem presentes, a violência apresentará índices maiores.

Mas reduzir a violência a uma forma de problema econômico me parece bastante ingênuo, tudo parecendo indicar que a origem da violência em nossa sociedade é algo de mais profundo.

Um dia destes, percorrendo o meu sistema de TV a cabo, à cata de algo interessante (para mim), fiquei, de repente, impressionado pela quantidade de programas que apresentavam alguma forma de violência, desde filmes ou seriados policiais, aventuras de guerra, notícias de guerra, assaltos, desastres, inclusive desenhos animados orientais e até agressões em campo de futebol e um anúncio de programa de lutas. Cheguei a me dar ao trabalho de um pequeno levantamento estatístico, concluindo que 30 dos 42 (71%) programas, naquele momento, apresentavam alguma forma de violência! Este índice não pode valer para nenhum trabalho acadêmico, pois não foi cercado de nenhum critério específico ... mas, para mim, naquele momento, me pareceu bastante evidente a influência da televisão sobre o estado da coisa.

Mas, logo a seguir, me lembrei de um psicólogo, por sinal em uma entrevista na própria televisão, que aventou não ser eventualmente tão ruim assim e que a violência na televisão talvez funcionasse como uma forma de catarse, uma maneira de botar para fora e satisfazer impulsos negativos, sem realmente executá-los no mundo real.

Sim, ele pode ter razão, em muitos casos, ... e não resta a menor dúvida que a televisão, cinema, gibis, vídeo games, etc ... , como cheguei a pensar, podem ser um estímulo à violência ... mas nem ele, nem eu chegamos ainda ao cerne do problema. Pois se a televisão agisse como catarse, não deveria estar havendo mais violência ... e se eu tinha razão, então deveria ter muito mais violência do que de fato, se observa.

Algo bem mais básico, e no fundo bem mais simples de considerar, é que a televisão é uma entidade econômica, destinada a fazer lucro e portanto, susceptível à grande regra econômica que é de agir de forma organizada e intencional para gerar lucro. E neste caso, a televisão vai atras de audiência e de dar ao público, aquilo que, ele, o público quer ver.

Então, longe de achar que a televisão tem algum intento satânico de divulgar e promover a violência, o mais provável é que a televisão apenas reflita algo que o público quer, deseja e procura. Alias, exatamente o que o psicólogo alegou quando se referiu a satisfazer impulsos negativos, sem executá-los.

Mas isto é algo inusitado que a maioria das pessoas negaria solenemente e poucos se atrevem a dizer abertamente que o público deseja ver e gosta de violência.

Uma velha doença humana ...


A violência e a beligerância estão grandes, não resta dúvida, mas não creio que estejam particularmente aumentando : sempre existiram. Isto nos leva a reconhecer que lamentavelmente a Humanidade é tão "primitiva" hoje quanto sempre foi ao longo de sua História!!! Não é sem razão que Will Durant, o famoso historiador, afirmou : “ A história da Humanidade é a história de suas guerras”. E complementa : “ Houve apenas 268 anos sem guerra nos últimos 3.421.”

A violência é uma doença social, sim. E uma doença antiga que ainda perdura entre nós. Durante o Paleolítico e o Neolítico, a sobrevivência da Humanidade estava na mão dos caçadores. Por isto, foram tão venerados e seguidos. Os estudiosos referem que deve ter existido uma solidariedade ou união mística entre o caçador e o caça, a revelar um parentesco quase religioso com o mundo animal, que interpenetrou profundamente as sociedade humanas.

Isto continuou e as confrarias militares do início do período histórico, que (no dizer de Mircea Eliade, o grande estudioso das religiões) “se comportavam com relação às populações sedentárias que atacavam, como carniceiros que caçam, degolam e devoram os herbívoros das estepes”

A seqüência histórica se expandiu e integrou todos os níveis políticos da sociedade que, hoje, usando o poder despoticamente, mesmo disfarçando-o de “democracia”, decidem as guerras, as perseguições e as opressões, e em um modo mais moderno, mas não menos nefando, caçam e rapinam impunemente tanto quanto o Caçador da idade da pedra.