sábado, 15 de setembro de 2007

Os livros e eu (2)


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Esta foto é do meu pai. Não sei bem a data, certamente lá pelos idos de 1935, antes da guerra.
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Eu não tinha nascido ainda mas herdei a sua paixão pelos livros.

Meu pai era um homem inteligente, que passei a admirar muito sobretudo a partir de minha adolescência, especialmente pela clareza de suas idéias. E mais tarde, por ser capaz de reconhecer sua integridade moral, sua labuta pessoal.

A vida dele não foi um mar de rosas. Órfão cedo, se educou e auto-educou até chegar sem quase educação formal até ser juiz adjunto (no Egito, era possível substituir a escola pela prática). Mal casou, foi parar em 1940 em um campo de concentração no meio do deserto (ele era italiano, em um país sob protetorado britânico - com a ironia que meu pai era a pessoa mais anto-belicista que eu conhecí!). Embora fosse um campo dirigido por britânicos e que não tinha os horrores dos campos dos alemães, deixou marcas. Nasci quando ele estava lá.

Saindo de lá, a duras penas e com a crise de desemprego e os problemas de reintegração, acabou trabalhando em uma firma de algodão e depois de seguros onde acabou galgando a uma posição relativa. Então, veio Nasser e a expulsão do país em 1957. Viemos ao Brasil e aqui recomeçou tudo.

Venceu as dificuldades depois de vários empregos e quando estava se acertando como subgerente de contabilidade de uma multinacional, e comprou a casinha, aconteceu o derrame (1972). Perdeu a fala por vários anos e a memória dos tempos recentes (embora mesmo assim continuasse capaz de jogar um surpreendente xadrez!). Quando conseguiu vencer a doença, recuperar a fala e reaprender o português, o coração começou a apresentar falhas e acabou falecendo em 1981.

Não teve as coisas fáceis. Sempre cuidou dos filhos e da família em primeiro lugar. Só tinha olhos para a nossa mãe. Era mesmo do lar, não tinha muitos hobbies que eu me lembre, gostava de ler, isto sim. Era um exemplo marcante de auto-ditatismo. Tinha uma bagagem cultural impressionante, falava vários idiomas que ele aprendera todos sem curso formal. Era meio filósofo e gostava de frases de efeito. Não lembro dele se interessar por esporte ou ter muitos amigos. Não tinha muita habilidade física ou com as mãos, os consertos em casa, quem fazia era minha mãe.

Em suma, era um bom homem, que não era muito expansivo ou talvez não conseguisse manifestar seus sentimentos mas a gente pressentia que ele os tinha e uma atitude nobre, sempre, mesmo sem grandes lances.

Não sei se a gente pode chamar isto de humildade, mas era certamente um homem de grande valor, embora simples e com uma atitude sempre modesta.
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4 comentários:

malu disse...

Giuseppe, quando menina sonhei em ter a coleção Tesouro da Juventude, ou, quem sabe, um dia, num lance de sorte, poderia ganhar a Barsa, um livro que meus pais não poderiam me oferecer. Tinha idolatria por todo conhecimento do mundo contido nas páginas daquele tesouro.Era uma festa quando eu conseguia ficar diante dos livros. Muitos anos depois, pude viver o meu sonho, uma realidade que não abro mão. A magia dos livros me fez uma mulher feita de poesia e encantamentos. Malu

marianicebarth disse...

Que história linda, Turini, a de sua família! Faltou você nos contar se teve mais algum irmão ou irmã.
Seu pai não era nem um pouco comum, comum...

caos e ordem disse...

Oi Turini, realmente a história do seu pai é muito bonita, cheia de lutas, sucessos e aventuras. Os problemas de saúde no fim da vida acontecem com a maioria das pessoas.
Fico pensando que ter um pai tão genial pode ser um peso na vida.
Meu pai era uma pessoa tão simples e de poucos recursos, que aquilo que eu e meus irmãos conseguimos conquistar é um grande sucesso.
Só para ter uma idéia menciono o fato de que ele aprendeu a ler e escrever com minha irmã caçula a Maria Teresa.
Achei seu texto muito interessante.
abraçodo Zecão

Antônio disse...

Belo texto, belo pai.