quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O amor exige retribuição?


"Não se deve amar sem ser amado. É melhor morrer crucificado"

Uma atitude típica do gostar e da paixão é a exigência de retribuição ou reciprocidade : como é que você não gosta de mim se eu gosto de você? O tema do amor não-correspondido é o lamento mais freqüente entre os amantes, desde o tempo das cantigas medievais. É a queixa sobre o "amigo" (leia-se amante, em termos modernos) que traiu o amor que se lhe dedica, não necessariamente por uma infidelidade, mas por faltar em corresponder às expectativas que se tem dele
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Vi muita gente sofrer por amor não-correspondido, rejeitado, incompreendido, ou por assim dizer, aplicado à "pessoa errada" (aquela que não corresponde). E é neste tipo de condição que se afirma que a pessoa é "infeliz no amor" e é quando surgem os ciumes, as inseguranças pessoais, as frustrações e os conflitos.

E para complicar a situação, temos que lembrar que o amor é total, absoluta e irrevogavelmente ilógico. Da mais pura irracionalidade... Não precisa do tempo ... e certamente, não espera o menor pingo de incentivo para acontecer ... Quem é bêbado, olha na volta e vê todo mundo bêbado também. Quem está apaixonado é quem nem bêbado ... não consegue entender como o outro possa não estar apaixonado
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Podemos corresponder - podemos querer e nos levar a corresponder - ao carinho, ao respeito, ao entendimento em uma relação amorosa (adulta e consentida). Mas francamente, não consigo acreditar que uma nossa paixão por outra pessoa garanta (ou gere) uma paixão equivalente desta outra pessoa por nós. Não consigo me imaginar sentindo uma tal "obrigação", nem que ninguém possa vir a sentir.

Reconheço que o que vou afirmar é uma visão tipicamente masculina : tenho percebido muita mulher cobrando do homem a quem ama, este tipo de reciprocidade, mas tenho certeza que as mulheres são as primeiras a não se sentirem nem um pouco induzidas a retribuir uma paixão que lhe é dedicada – embora possam até se sentir lisonjeadas com o sentimento que provocam.

Ou por outra, podem até conservar em segredo, uma certa ressentimento contido (ou até manifesto) pela pessoa – por mais méritos pessoais que possa ter - que veio ou quer "usurpar" o lugar, a intensidade ou fervor, da sua verdadeira e original paixão em seu coração?

Alias, por falar em méritos pessoais, gostaria apenas de citar, de passagem, que não há nada, absolutamente nada que uma pessoa possa fazer para conseguir a paixão de outra pessoa, que não estivesse lá, em primeiro lugar! E quanto mais fizer por merecer (neste caso, pode até ser qualificado de "assédio"), o mais provável é que venha a ser desprezado e até hostilizado por tentar se apossar de um sentimento sobre o qual "não tem direito"!

O amor sempre é recebido de presente. Podemos conseguir a simpatia ou a gratidão de outra pessoa, o seu respeito, por nossas atitudes. Amor-paixão, nunca. Pois a paixão é algo muito primário, vem de nossas entranhas, tem enormemente a ver com o afloramento do nosso inconsciente, bem menos "controlável" que o amor fraternal ou familiar, a amizade, o amor devotado de um casamento estável, etc ..
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Inversamente, é só olhar a nossa volta e verificar quantas pessoas são amadas apesar de seu comportamento e de seu merecimento, filhos cruéis e bandidos que têm o amor de sua mãe, até o último alento; mulheres que continuam amando seu homem apesar dos maus tratos; ou homens que adoram sua mulher apesar de todas as traições que recebem, e outros tantos exemplos de menor dramaticidade.

Precisamos nos conscientizar da verdade que não existe lógica neste assunto de amor ou na sua falta : ou a gente ama alguém ou a gente não ama, pronto! É tão simples assim. Não encontrei ninguém que me explicasse como uma pessoa pode vir a amar alguém que não amava em primeiro lugar espontaneamente, nem como pode ser induzida a - ou treinada para - aprender a amar alguém específico.

Mas não nego que possa existir reciprocidade, e com relação a isto, existe uma boa e uma má notícia. A boa notícia é que o amor genuíno pleno é uma graça dada pelos deuses. A má notícia é que são eles que dão esta graça, não se sabe bem como decidem, mas parece mais uma destas coisas que a pessoa não pode fazer nada a respeito. No fim das contas, o amor correspondido é algo muito, muito raro ... como já disse, reservado para uns poucos eleitos .... tanto é que para estes poucos eleitos, os Romeus/Julietas ou Tristãos/Isoldas, é que se escreveram romances e poemas para serem inscritos nos anais da Humanidade.

Considero privilegiadas as pessoas que tenham tido a fortuna de uma verdadeira paixão em sua vida. Retribuída ou não. O resto, a grande, a enorme maioria, apenas se ajeita ou se acomoda com uma relação de conveniência, que, bem ou mal, freqüentemente se converte em uma relação de camaradagem, que espanta os infortúnios da solidão a que estamos todos sujeitos!

2 comentários:

marianicebarth disse...

Como você é sábio!...
Está tudo aí, tudo certinho...
Apenas você esqueceu de dizer que o Romeu e a Julieta tinham 16 e 15 anos respectivamente e nessa idade ama-se até à morte, literalmente.
Nessa idade todo mundo é belo, forte, pululam os hormônios e a paixão correspondida fica mais fácil. Parece que quem escreveu sobre isso foi o Luis Fernando Veríssimo... ou foi outro?

caos e ordem disse...

É a Nice tem razão, alguém escreveu recentemente, também não sei quem.
O que foi escrito se não me engano é que Romeu e Julieta nunca tiveram essa rotina de dormir e acordar junto 50 anos, assim foi fácil para eles. Somos muito mais heróis e heroinas que Romeu e Julieta.
Existe também o sonho não realizado dos "ex" ou das "ex". A pessoa esteve enamorada, amou de paixão e casou com outro(a) com quem foi comer o pão nosso de cada dia. Aí fica a tola ilusão de que com o, a "ex" teria sido muito melhor e maravilhoso.
PS - Continuo ausente mas hoje pude me apresentar.
Para filosofar mais sobre AMOR e PAIXÃO, sugiro a leitura do bestseller O CARRASCO DO AMOR, de Irving Yalom, estou lendo, adorando e refletindo.