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Tudo começa com uma cena final de um filme (creio ser do Herzog), onde aparece um velho gramofone tocando uma ópera no meio de um deserto ... a camara afasta um pouco mostrando que não tem ninguem escutando ... e o som se esvai simultaneamente ... ficando apenas um enorme e solitário silêncio.
Esta cena ressalta de forma magnífica que é necessário um ouvido humano para que exista a música. Sem ouvido humano, a música é apenas um som ... não, nem um som, uma vibração do ar no meio de uma multitude de vibrações, absolutamente sem sentido. Existe seres vivos que não ouvem as faixas para as quais nossos ouvidos estão preparados e existe seres vivos que ouvem outras faixas de vibrações. Existe seres humanos que são surdos e para os quais som e música não fazem o menos sentido.
A música, a beleza que há nela, somente existe para um ser humano. A música não existe na natureza como tal. A fala humana, os belos discursos, os poemas, as declarações de amor, tambem, não existem como tais na natureza. Existem apenas quando um outro ser humano os escuta (e os entende). Senão, é como falar - ou tocar uma ópera - no deserto.
Da mesma forma, não existem cores na natureza.
Existem ondas eletromagnéticas que se propagam e se refletem na natureza. Uma faixa destas ondas sensibilizam os olhos humanos e se manifestam como percepções de cores e imagens. Da mesma forma, existem seres vivos totalmente insensíveis ao nosso espectro visível. E existem seres vivos sensíveis ao infra-vermelho, ultravioleta, etc ... Existem seres humanos daltonicos ou então, cegos.
Nós não vemos os objetos : mas apenas a reflexão da luz neles. Basta apagar a luz, nós não vemos mais nada.
É preciso tambem relembrar que os objetos, em si, tambem não tem cores. Uma folha de árvore não é verde. Um tomate não é vermelho. Somos nós que os vemos assim. Para um daltonico, a folha e o tomate têm a mesma cor! Alias, nada garante que aquilo que eu vejo como vermelho, tem no meu cérebro, a mesma percepção que no seu, podendo, por exemplo, minha sensação de vermelho ser igual à sua sensação de amarelo.
Segue-se disto que uma pintura genial é uma completa inexistência para um cego ou para um animal que enxerga em outra faixa de ondas.
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Daí, como sons e cores não existem na natureza, as harmonias que reconhecemos numa frase musical ou numa composição cromática tambem não existem na natureza. Elas só existem porque as reconhecemos como tais em nossas percepções.
Esta beleza não existe na natureza mas somente em nós.
E vai morrer conosco, quando nossa capacidade perceptiva se extinguir com a nossa morte, ou então, simplesmente com a nossa inconsciência.
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