quarta-feira, 13 de maio de 2009

Minhas origens ...

Recuperado de anotações pessoais
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Para entender a aparente confusão concernente à minha origem, que é a mesma de Monsieur Gilbert e Leon Eliachar (radicados no Brasil) assim como de Omar Shariff ou Dalida, todos eles que nasceram no Egito mas não são "egípcios", é preciso compreender a condição social do Egito naqueles idos, antes da revolução do Nasser em 1957.

O Egito estava sob um proterado inglês, embora tivesse um rei, Faruk. Já vinha de outro proterado, francês. A influência européia era muito grande, por conta de variados interesses econômicos, desde a exploração do Canal de Suez à cultura do algodão. O protetorado não era para proteger o Egito, era para proteger seus interesses no Egito.

Havia uma grande e variada comunidade européia na ocasião. Não havia quase americanos mas havia sujeitos britânicos variados, ingleses e malteses sobretudo. Havia franceses, italianos, gregos, libaneses, armênios, israelitas, etc .... Um caldeirão de povos, principalmente mediterrâneos. Havia também uma multitude de religiões, católicos, ortodoxos, maronitas, coptas, protestantes e também bastante judeus.

Lógico, havia os egípcios propriamente ditos, nativos e muçulmanos. Afinal, eles eram os donos da terra ... Havia uns poucos pretos, de origem sudanesa ou etíope, no Sul do pais, mas também muçulmanos. Havia também beduínos nômades, esparsos pelo país.

Prevalecia a lei do jus sanguinis. Nem os árabes nos queriam como concidadãos, basicamente por não sermos muçulmanos - ou seja, por sermos infiéis. Nem nós queríamos nos confundirmos com o povo árabe do qual lamentavelmente tínhamos pouco conceito. Havia uma razoável segregação, aceita e bem-vinda de lado a lado.

Não era propriamente racial, era uma questão de cultura. Havia alguns árabes de posses, que se educavam na Europa, se vestiam e falavam como nós e que eram admitidos ao convívio dos europeus. Nós, os metecos. (estrangeiros domiciliados em um país, diz o Aurélio)

Quando nascia uma criança, era registrada no consulado do país de origem do pai. Ou se não existisse um consulado daquela nacionalidade, com outro consulado que tivesse convênio. Por várias e seguidas gerações. Na nossa família, certamente por mais de 5-6 gerações.

Tínhamos os nossos bairros, nossas igrejas, nossas escolas, nossas lojas, até nossas praias, que não eram franqueados aos árabes do povo. Só entravam lá para trabalhar ou vender, coisa do tipo. Não havia propriamente uma proibição, mas eles, os árabes, também não faziam muita questão de nossa companhia. Como também, evitávamos freqüentar os bairros deles, inclusive por considerações de segurança : os muçulmanos não morrem de amores pelos infiéis. Mas, enfim , havíamos arranjado uma forma de convívio, com um relativo grau de estabilidade.

A comunidade européia era bem cosmopolita e eram freqüentes casamentos entre nacionalidades (européias) diferentes. Era comum as pessoas falarem espontaneamente vários idiomas, geralmente o inglês ou o francês e mais o idioma de origem, italiano ou grego ou seja o que for. Havia uma certa rivalidade entre grupos de nacionalidades diferentes mas também uma certa coesão por causa do antagonismo aos árabes. Esta rivalidade era apenas proforma e havia uma grande tolerância sobre a diversidade de idiomas, hábitos e religiões. Todo mundo - é claro, meio a contragosto para muitos - tinha que falar um pouco de árabe, senão como comprar as coisas no mercado, dar ordens aos empregados, tomar charretes ou pedir alguma coisa nas lojas ou restaurantes?

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Então, para entrar na minha família .... meu pai era italiano, minha mãe era francesa, fui registrado em consulado italiano. Passaporte que conservo até hoje.

Meu pai era filho de italiano e de grega. Minha mãe era filha de francês e de grega. Minhas avós gregas, por sinal, eram irmãs e meus pais precisaram de permissão especial da igreja católica para poderem se casar.

A melhor escola para meninos era francesa, adivinhe : me eduquei em uma escola de irmãos lassalistas franceses, católicos. Meu pai que era italiano também estudou em escola francesa.
A melhor escola para meninas era de freiras italianas, católicas. Minha mãe que era francesa estudou em escola italiana.

Então, o que se falava em casa : um jargão estranho, meio francês, meio italiano, entremeado de palavras em árabe e inglês, e vez ou outra aparecia uma palavra em grego.

Em 1957, Nasser fez uma revolução e entre outras coisas, alem de derrubar o rei, joguete dos ingleses, expulsou os estrangeiros de origem britânica e francesa e deu, à nossa mãe, 3 dias para sair do pais. (Os demais europeus ficaram em uma situação insustentável e acabaram saindo nos anos seguintes).

A Itália estava em petição de miséria, na ocasião. A França não nos recebia (minha mãe tinha adotado a nacionalidade italiana quando se casou, isto não nos permitia entrar na França, mas não impediu o governo egípcio de expulsá-la). Na Australia, sabíamos de problemas gravissimos de integração social por nossa origem latina. O Canadá era muito frio. Os Estados Unidos tinha um processo de admissão que demorava, no mínimo de 3 a 6 mêses (tinhamos 3 dias). O Brasil nos abriu a porta.

Chegamos no dia 23-Maio-1957, há portanto 52 anos.

Parte da família foi para França. Parte foi para Australia. Outra para o Canadá. Teve uma prima que foi para Malta. Outros foram para Inglaterra e e com exceção de dois primos, não se adpataram e mudaram-se depois de uns 2 anos, para o Brasil. No fim, a grande maioria da família se mudou para cá ... a geração dos avós e dos pais já morreram, alguns primos também.

O Brasil nos recebeu muito bem. Não tivemos nenhum problema de nos adaptarmos. Éramos estrangeiros mal vistos no Egito e embora continuassemos estrangeiros no Brasil, achamos um encanto o calor e o acolhimento de vizinhos, colegas de trabalho, etc ...Aprendemos o idioma com uma facilidade inata para nós que sempre falamos vários idiomas.

2 comentários:

marianicebarth disse...

Nossa!!!! Que beleza de história! E ainda por cima é uma verdadeira aula! Você naturalmente, uma criança, vivia naquele cadinho de raças e religiões sem perceber na época a riqueza circunstancial que o cercava. Suponho que todas essas considerações são mais recentes, não? Isso dá um livro, Turini, mais ou menos como "O Caçador de Pipas"!
E suas avós gregas, que maravilha! Você se lembra delas?
Pai italiano, mãe francesa, avós gregas! Quanta coisa se pode tirar de ensinamento de tudo isso!

amigacaçula disse...

Toda essa mistura relatada nessa interessante história, resultou no nosso amigo Turini que pessoalmente trouxe a mim e ao Gil, uma impressão muito boa.

Deve ser gratificante uma reunião com todos nós para "trocarmos idéias", não é mesmo, Nice?