quinta-feira, 20 de junho de 2013

J´ai plus de souvenirs



Recuperado de outro blog. Postagem de 2007


Beaudelaire é que dizia :"J´ai plus de souvenirs que si j´avais mil ans."! 

Em toda honestidade, sinto um pouco de inveja das pessoas que têm uma facilidade de rememorar coisas de seu passado, e são capazes de tirar de seu baú de lembranças, detalhes que me deixam atônito. Eu, as vezes, sinto como se tenha tido uma vida quase vazia. As memórias, elas não me voltam ... é como se minha vida fosse feita muito mais de esquecimentos do que de recordações!

Sim, sim, é claro, eu sei as datas e os grandes fatos de minha vida. Mas me faltam as imagens e os sentimentos atrelados a estes fatos. Tenho fotos, sim, mas é quase como assistir a um filme, sobrando aquela sensação de "exterior" por assim dizer, não algo que brota de meu íntimo.

Me incomoda um pouco, para dizer a verdade, mas não demais. Amo a vida ... e se minha vida não tem uma grande soma de passado, que fazer? Continuar feliz sem passado, não é?

Tenho impressões difusas, mas nem por isto, menos vivazes. Por exemplo, tinha um amor todo especial pelo meu Colégio, no Egito (Collège Saint Marc). E dele, guardo a lembrança do grande respeito que eu tinha por um professor, Frère Lucien, do qual não consigo reviver nenhum traço, mas do qual recordo ser homem inteligente, íntegro e exigente que nos ensinou uma filosofia de vida impecável que me marcou até hoje e que, em tudo, nos estimulava a nos realizarmos enquanto seres humanos.

Tentei começar a escrever minha autobiografia (como um exercício psicológico) .... apenas para descobrir que era impossível alinhavar as minhas memórias. 

Neste sentido, eu sei pouca coisa a meu próprio respeito. Podem ser os primórdios do Alzheimer {risos!}, mas lembro de tão poucas coisas específicas a respeito de minha vida. 

Da minha infância no Egito. Tem alguns registros escolares, algumas fotos, os relatos da minha mãe (hoje falecida). Mas isto não vale, isto não é memória original própria. Sobram realmente pouquíssimas imagens, algumas sem muito importância, alguns trechos de paredes de uma casa, uma praia, um pesadelo de doença infantil, a vista da janela de uma sala de aula que dava para o mar, a lembrança de alguns amigos mas hoje sem rosto e até sem nome, coisas assim. 

A viagem de navio para o Brasil, os primeiros anos no Brasil praticamente apagados. Cenas esparsas, algum ou outro amigo ou colega de trabalho ou de faculdade. Dos primeiros anos de casamento sobrou aquela sensação de muito trabalho e do estudo noturno, e da estafa permanente e o invariável estresse para equilibrar o orçamento. 

Meus filhos nasceram em 1966 e 1968, anos conturbados da nossa mocidade .... mas estranhamente não consigo ligar as duas séries de coisas, a minha vida pessoal e os distúbios políticos, como se tivessem acontecido em planetas ou séculos separados. 

Lembro bem de meu primeiro apartamento .... mas a casa que comprei em seguida e na qual moramos 4 anos, sumiu completamente. Passando na frente dela, ela é uma perfeita estranha, que não toca nenhuma campainha! 

Viagens fiz, de que não lembro nada e olhando a foto, só posso ficar perplexo de eu estar posando na frente de um monumento ou coisa assim. 

Sim, lembro de coisas, como carros, de algumas viagens, de alguns poucos episódios, de alguns amigos específicos .... mas muito, muito mesmo, simplesmente desapareceu ... é como se nunca tivesse acontecido. Mas certas coisas, banais mas poderosas, voltam .... como por exemplo, o cheirinho gostoso da madeira entalhando no pirogravo.

Hoje, a rigor, minha biografia, consistiria das coisas que penso ou sinto, muito mais do que os eventos que aconteceram comigo. Não que considero minha vida extremamente banal, tenho afortunadamente uma boa vida, mas minha vida "interna" parece tomar uma grande precedência sobre o dia-a-dia, as viagens, as festas, os eventos ... 

Um evento que me marcou e que me retorna claramente ... quando era moço (fim da adolescência), escrevia bastante, havia pelo menos um caderno cheio que, um dia, num arroubo de revolta contra a vida que exigia de mim eficiência e dedicação às banalidades necessárias à sobrevivência, joguei fora. Junto com meus desenhos e pinturas que ninguém parecia apreciar, meus discos que ninguém entendia, meus livros que falavam de coisas que "não tinham rendimento econômico imediato", etc ... 

Junto com este jogar fora, apaguei também as memórias daquela época e por mais que faça esforço, muito pouco volta. Foi bom por um lado, acabei me direcionando para o estudo universitário, uma carreira na indústria, um casamento sensato ... e como conseqüência, hoje tenho uma vida cômoda. 

Mas joguei fora muito de minha espontaneidade, meu eu legítimo e natural, e me enquadrei em um "papel" necessário numa vida, racional, eficiente, mas talvez não totalmente marcante para se lembrar. 

Felizmente que, em minha aposentadoria, consegui ressuscitar parte deste "adolescente" constrangido e hoje, faço escultura, leio sobre psicologia e religião, e escrevo. Nada que renda dinheiro mas que me faz me sentir gente. E feliz.

Um comentário:

GiAraujo disse...

Adorei este post, Giuseppe! Até parece que andou lendo a mini biografia de alguém e fez a sua própria. E você tem muitas lembranças agradáveis!Para mim o exercício da escrita funciona como catarse... Você como artista deve sentir assim também quando esculpe! Tem produzido algumas peças? Algo de que goste especialmente? Pode compartilhar virtualmente?
Abreijos brasilienses hoje!